Por - Claudia Giudice - Jornalista e autora do blog A Vida Sem Crachá
Contratei e demiti muita gente em 30 anos de
carreira. No caso da contratação, a etapa final é a famosa entrevista de
emprego. Aquele momento em que você fica cara a cara com o seu futuro
chefe direto ou indireto. Na maior parte das vezes,
é decisivo. Se agradar, a vaga é sua. Assim, tipo nocaute. Se não
agradar, fica no purgatório da repescagem, tentando ganhar por pontos.
Quando contratava, detestava seleções decididas por pontos. Significava
que ninguém era suficientemente empolgante, diferente
ou brilhante. Por isso, se quiser o emprego, acerte logo um soco de
baixo pra cima no queixo do contratador. Deixe o coxinha de quatro e não
lhe dê a fatídica oportunidade de perguntar “quantas bolas de tênis
cabem em uma piscina”.
Foi o que a Roberta fez comigo. Acho que no começo
de 2004. Eu dirigia uma área de edições especiais para a nova classe
média, cuidava de duas revistas de televisão semanais populares e também
fazia edições customizadas para clientes. Precisava
de um repórter e não tinha a intenção de perguntar sobre as bolinhas de
tênis. Ela entrou de salto alto agulha, saia preta no corte lápis e
camisa branca. Discreta e elegante. Usava os dois primeiros botões da
camisa abertos, porque tinha um colo lindo e fazia
o tipo diferente.
Não era um sílfide e não estava nem aí para esse detalhe. Mas não foi o figurino que me chapou.
Eu que não entendo nada de maquiagem e nem uso
(agora posso declarar minha ignorância em praça pública) fiquei
espantada com o modo perfeito com o qual Roberta passava delineador em
seus olhos. O traço era equilibrado. Sem borrões. Os olhos
dela ficaram ainda mais inteligentes e o discurso que ela fazia mais
crível. Tinha estudado jornalismo na Universidade Federal de Santa
Catarina. Para isso, tinha deixado a cidade do interior onde nascera e
havia se aventurado na capital. Sozinha? Não, com
a filha pequena, Gabriela, fruto de um amor de adolescência.
Neste momento, confesso aqui, contratei Roberta.
Amigos de RH, me perdoem. Após essa resposta, eu, que já estava gostando
da moça, levei meu direto no queixo. Era diretora de redação, tinha 38
anos, 20 de carreira, e estava quebrada ao
meio por causa da dificuldade de conciliar o meu trabalho com a
maternidade do meu Chico, então com 1 anos e alguns meses. Aí me aparece
uma guria, de 20 anos, do interior de Santa Catarina, inteligente,
articulada, disposta, bem vestida, mãe de uma garotinha
e ainda capaz de passar um delineador impecável. Era muito para uma
segunda-feira.
Trabalhamos juntas por quase dois anos. A vida dela
não era fácil comparada com a minha. Salário curto. Jornada longa.
Desafios absurdos. Sem babá, sem marido e sem estrutura. Roberta
trabalhava muito. Pegava todos os frilas. Eu deixava
porque me via nela. Havia sido uma pirralha hiperprodutiva no início da
carreira. Mas não tinha filho, o que deixava tudo mais fácil.
Um dia, Roberta pediu para ir embora. Um gestor de
RH rigoroso diria que eu contratei mal. Discordarei respeitosamente e
absolutamente. Ela era um gênio e por dois anos tivemos um gênio
trabalhando em nosso time. Ela voltou para Floripa,
reorganizou a vida, capitalizou, pensou, criou e um dia voltou. Disse
adeus ao crachá, bem antes do que eu. Com amigos, montou uma editora, a
Mol, que se especializou em fazer projetos customizados. Só que uma
pegada diferente, com foco e pé na economia sustentável
e solidária. Em 2008, eles lançaram a revista Sorria, patrocinada pela
Droga Raia e por seus clientes, que ao comprar um exemplar faziam uma
doação para o Craac (grupo de apoio ao adolescente e criança com
câncer).
Por que decidi contar tudo isso? Porque hoje fui na
Drogasil comprar um remédio para uma hóspede e encontrei a edição de
agosto da revista Todos, a segunda revista customizada da Mol, criada
pela Roberta. O tema da edição é “Eu venci” e
bem lá na página 18 tem uma foto linda minha, segurando duas flores com
o título: “Entendi que o fracasso pode ser uma oportunidade de
aprendizado”. A matéria carinhosa fala da minha experiência recente no
contexto de uma pauta muito atual e oportuna: a reinvenção.
Histórias de cinco pessoas que depois de um tombo, de um susto, uma
fatalidade conseguiram florescer.
Só podia ser obra de uma moça como a Roberta, que até hoje passa delineador nos olhos como ninguém.
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