7 de ago. de 2015

Uma incrível entrevista de emprego

Para refletir, para irmos além das aparências e não perdermos talentos.

Por - Claudia Giudice - Jornalista e autora do blog A Vida Sem Crachá

Contratei e demiti muita gente em 30 anos de carreira. No caso da contratação, a etapa final é a famosa entrevista de emprego. Aquele momento em que você fica cara a cara com o seu futuro chefe direto ou indireto. Na maior parte das vezes, é decisivo. Se agradar, a vaga é sua. Assim, tipo nocaute. Se não agradar, fica no purgatório da repescagem, tentando ganhar por pontos. Quando contratava, detestava seleções decididas por pontos. Significava que ninguém era suficientemente empolgante, diferente ou brilhante. Por isso, se quiser o emprego, acerte logo um soco de baixo pra cima no queixo do contratador. Deixe o coxinha de quatro e não lhe dê a fatídica oportunidade de perguntar “quantas bolas de tênis cabem em uma piscina”.

Foi o que a Roberta fez comigo. Acho que no começo de 2004. Eu dirigia uma área de edições especiais para a nova classe média, cuidava de duas revistas de televisão semanais populares e também fazia edições customizadas para clientes. Precisava de um repórter e não tinha a intenção de perguntar sobre as bolinhas de tênis. Ela entrou de salto alto agulha, saia preta no corte lápis e camisa branca. Discreta e elegante. Usava os dois primeiros botões da camisa abertos, porque tinha um colo lindo e fazia o tipo diferente.

Não era um sílfide e não estava nem aí para esse detalhe. Mas não foi o figurino que me chapou.
Eu que não entendo nada de maquiagem e nem uso (agora posso declarar minha ignorância em praça pública) fiquei espantada com o modo perfeito com o qual Roberta passava delineador em seus olhos. O traço era equilibrado. Sem borrões. Os olhos dela ficaram ainda mais inteligentes e o discurso que ela fazia mais crível. Tinha estudado jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Para isso, tinha deixado a cidade do interior onde nascera e havia se aventurado na capital. Sozinha? Não, com a filha pequena, Gabriela, fruto de um amor de adolescência.

Neste momento, confesso aqui, contratei Roberta. Amigos de RH, me perdoem. Após essa resposta, eu, que já estava gostando da moça, levei meu direto no queixo. Era diretora de redação, tinha 38 anos, 20 de carreira, e estava quebrada ao meio por causa da dificuldade de conciliar o meu trabalho com a maternidade do meu Chico, então com 1 anos e alguns meses. Aí me aparece uma guria, de 20 anos, do interior de Santa Catarina, inteligente, articulada, disposta, bem vestida, mãe de uma garotinha e ainda capaz de passar um delineador impecável. Era muito para uma segunda-feira.

Trabalhamos juntas por quase dois anos. A vida dela não era fácil comparada com a minha. Salário curto. Jornada longa. Desafios absurdos. Sem babá, sem marido e sem estrutura. Roberta trabalhava muito. Pegava todos os frilas. Eu deixava porque me via nela. Havia sido uma pirralha hiperprodutiva no início da carreira. Mas não tinha filho, o que deixava tudo mais fácil.

Um dia, Roberta pediu para ir embora. Um gestor de RH rigoroso diria que eu contratei mal. Discordarei respeitosamente e absolutamente. Ela era um gênio e por dois anos tivemos um gênio trabalhando em nosso time. Ela voltou para Floripa, reorganizou a vida, capitalizou, pensou, criou e um dia voltou. Disse adeus ao crachá, bem antes do que eu. Com amigos, montou uma editora, a Mol, que se especializou em fazer projetos customizados. Só que uma pegada diferente, com foco e pé na economia sustentável e solidária. Em 2008, eles lançaram a revista Sorria, patrocinada pela Droga Raia e por seus clientes, que ao comprar um exemplar faziam uma doação para o Craac (grupo de apoio ao adolescente e criança com câncer).

Por que decidi contar tudo isso? Porque hoje fui na Drogasil comprar um remédio para uma hóspede e encontrei a edição de agosto da revista Todos, a segunda revista customizada da Mol, criada pela Roberta. O tema da edição é “Eu venci” e bem lá na página 18 tem uma foto linda minha, segurando duas flores com o título: “Entendi que o fracasso pode ser uma oportunidade de aprendizado”. A matéria carinhosa fala da minha experiência recente no contexto de uma pauta muito atual e oportuna: a reinvenção. Histórias de cinco pessoas que depois de um tombo, de um susto, uma fatalidade conseguiram florescer.

Só podia ser obra de uma moça como a Roberta, que até hoje passa delineador nos olhos como ninguém.

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